quarta-feira, 25 de junho de 2008

Turnê Noites de Gala, Samba na Rua - Edição BELÉM

EQUIPE (MÔNICA SALMASO)




por Regina Makarem, de Belém

Noites de gala, samba na rua – no Theatro da Paz
Mônica Salmaso apresenta seu raro talento e a imbatível simpatia pela 4ª vez em Belém. No dia 17. Cativou, por artes feiticeiras de sua voz personalíssima – gente, desculpem, mas aqui cabe o superlativo – uma fatia substancial do público mais exigente. Na entrevista ao jornal local, conseguiu a proeza de empolgar uma apresentadora que, de hábito, é contida, para não dizer sisuda... estavam as duas ao ponto de trocar intimidades de comadres, tal o poder natural de Mônica em deixar as pessoas desarmadas, à vontade. Humor constante e inteligente, excelente contadora de estórias, com tiradas que não sei de onde as saca com tanta precisão e galhardia. Há de ser uma adorável companhia.
Das vezes em que fui assistir a cantora, surpreendeu-me a lotação das casas e a devoção da platéia, os arroubos, exclamações apaixonadas, até o ponto de ver, aqui e ali, uma mal disfarçada lágrima. Minha, inclusive. E desta vez, também da filha que já encontrei a minha espera, num dia apertado assaz apertado mas que não a impediria de desfrutar de tal menu. Assistimos a tudo bem juntinhas, uma protegendo a outra das artes traiçoeiras da emoção mais funda, que nessas horas pode representar um duro vexame...
Bom, o teatro lotou. Mônica ousou, apostou no sonho que não saiu mais do seu coração desde que entrou uma vez no teatro da Paz, quando hospedada num hotel ao lado e assistiu a um ensaio. Conta que desejou intensamente cantar ali. Até que conseguiu o patrocínio do Bradesco Prime para levar o show a 21 cidades brasileiras. O sonho aconteceu. Queria oferecer o espetáculo um preço acessível e conseguiu. Mas estou atropelando a narração dos fatos que realmente interessam.
O show traz ao público, oficialmente, o disco “Noites de Gala, Samba na Rua”, reverenciando o compositor Chico Buarque. Acompanhada pelo Quinteto Pau Brasil, Mônica Salmaso retira da sua alma todo sentimento que sorveu das canções do nosso ídolo. E tudo espalha, magnânima, num tapete de sons prateados. Porque Chico é o nosso ídolo. Sem discussão. E tal homenagem, em vida, deve ter sido inestimável presente de fã e artista, que a ele comoveu.
A atual formação do Quinteto Pau Brasil é: Nelson Ayres (piano), Rodolfo Stroeter (baixo), Teco Cardoso (sax e flautas), Ricarado Mosca (bateria) e Paulo Bellinati (violão). Imaginem o que é escutar e ver, sentir toda vibração de Mônica Salmaso acompanhada por tais instrumentistas. Impossível descrever, principalmente em se tratando de alguém sabidamente ignorante musicalmente. Falo de mim, claro. Mas vocês bem conhecem esses músicos respeitáveis, que preservam as raízes dos nossos sons, mesmo interpretando um som universal, de tantos matizes, sempre inventivos, apaixonados e capazes de inovar. Não é fácil. Mas eles fazem parecer que sim, do jeito que brincam com os sons e se mostram divertidos.
Já escrevi sobre a Mônica muitas vezes. Já comentei o disco. Não vou me repetir, porque reconheço que me esgoto na primeira apresentação. Conto apenas um pouquinho do que se passou naquele espetáculo de quase 2 horas. Começou com A Volta do Malandro lançou chispas pelo teatro, eletrizando logo todos os corações, e desta vez a moça se vestiu de brilhos - quem diria? -, num casaquinho de arco-íris. Ela que exagera somente no brilho da voz e se mostra tão limpa de qualquer adereço, com isso destacando ainda mais a pureza do seu canto. Voz de santa, como disse o Rodolfo Stroeter, diadema e véu... Ensaia uns passos de dança, impecavelmente conduzida por tantos e tão exímios cavalheiros de uma vez. Seus gestos são suaves e certeiros, como notas musicais afinadas e perfeitamente cadenciadas. Bonito de se ver.
Quem te viu e quem te vê a gente pode imaginar que não suportaria escutar de novo. Mas além da delícia da voz, vem em contraponto com a flauta do amado, num dueto que é puro amor, festejado pelos demais instrumentos. Me fez pensar: com um Quinteto assim, quem sabe até eu me deixaria arrebatar desse jeito?... Se tivesse a graça celestial de cantar assim. É claro. Que tolice a minha.
Terminado o número, Mônica confessa seu carinho por Belém, contando tudo desde a primeira apresentação pelo Projeto Pixinguinha, numa noite de chuva tão forte que quase não acontece o show. Nem eu fui porque o local de apresentação não estava preparado para um toró de tal intensidade. Conta que ficou surpresa e emocionada com o público que ainda assim, contra todas as intempéries, compareceu. Me contaram que ela chorou. Linda.
Chico conta que fez Você Você (Guinga e Chico Buarque) para o neto. Ela a princípio achou estranho, mas percebeu que tudo se encaixava e ficava ainda mais bonita a canção dentro dessa perspectiva. E tudo fez mais sentido quando o filho Téo nasceu. Minha sensibilidade não alcançou este sentido. Só acho que ela deveria ter soltado os cabelos no meio da interpretação. Por que amarrar os cabelos daquele jeito?
Para a canção seguinte, um intervalo de afinação com uma caixinha que Mônica tocaria, não sei que instrumento seria aquele... demorou um pouco e de repente, um coro de oh! ahhh!.. de pura delícia ecoou pelo espaço. Da outra ponta onde estava o Bellinati, derramam-se bolinhas coloridas de sabão, sopradas pelo violonista, e em acordes que respondiam a espécie de caixinha de música da Mônica, tem início a Ciranda da Bailarina. É isso mesmo, foi um momento mágico (como dizer de outra forma?), Larissa deitou a cabecinha no meu ombro e minha alminha saiu lépida até o palco, ensaiando passinhos trôpegos da bailarina que eu quis ser quando criança... cantamos junto, Larissa e eu, mas bem mansinho, até a garganta apertar demais...
Se me perguntassem – e por que alguém iria me perguntar? – qual foi o momento supremo da noite, talvez eu dissesse que foi Construção. Porque a todos que estavam na nossa frisa, e nas frisas vizinhas - todos com os nervos frisados de tanto que esticaram até doer -, pareceu que havia sido composta e apresentada pela primeira vez ali, naquele instante fatal e para o nosso regalo completo. Refeição espiritual que há de saciar por muito tempo a nossa fome de beleza. Além da letra concretista perfeita e sempre contemporânea, os instrumentos expunham o cenário de todas as vidas vividas pelo operário no seu dia de graça e maldição. Estava tudo presente naqueles poucos minutos, a rua, a construção, a fome, o sonho que nunca chega, a urgência da vida que segue atropelando a própria vida. Tudo em suspenso, ninguém respirou até as notas finais. Eu mesma estava roxinha...
Olha Maria, em arranjo de Paulo Bellinati, conjugou de tal modo a voz e as cordas que não se conseguia dissociar as notas, o que é da moça, o que é dos dedos do moço... Ressaltando a beleza do timbre, que é somente dela. Mônica Salmaso *é* aquela voz. A voz puríssima é a sua verdade, a razão por que veio até este mundo. Até este teatro. Até a minha vida. Há muitas vozes lindas pelo meu país, mas na maior parte são tão parecidas... quando escuto, fico me perguntando a quem pertence esta e aquela. Por isso, desde o início chamei a Mônica de Rouxinol. Como as aves, cada uma com seu canto peculiar, ela tem a sua marca: Mônica Salmaso.
O ponto alto do CD é O Velho Francisco. Por todos os motivos juntos. A intensa carga dramática da história me traz soluços engolidos à força. E quando a Mônica me cantou novamente – e por primeiro - a crônica do velho abandonado, foi tão dolente o seu cantar, que não deu pra engolir, nem com toda coca-cola da casa, os soluços. Desta feita, naquele “muito maravilhos0” teatro lotado de devotos, foi uma dor como nunca antes, mas uma dor de gostar de sentir.
Logo Eu, em duo com Teco Cardoso, foi uma confidência muito íntima do casal, que a gente não vai contar pra ninguém...
O Quinteto apresentou uma composição de Paulo Bellinati denominada Pulo do Gato onde cada músico exibe além do pulo, o fôlego de suas sete vidas, sete notas que se multiplicam. Um espetáculo que certamente faz a gente sair do teatro melhor do que quando lá entrou. Como disse a Mônica. Entre outras coisas.
A perfeição poética e lingüística de que é feita Suburbano Coração foi composta para a voz da Mônica, mil dias antes de Chico a conhecer. Tenho certeza.
Mônica contou que Chico estava escrevendo a letra de Ode aos Ratos (Edu Lobo e Chico), quando embatucou e ligou para Paulo Vanzolini, conhecedor de música e sabedor dos bichos, e perguntou: “- Paulo, como é o nariz do rato? É macio? É fofinho? Como é o lance do nariz do rato?” porque Chico queria ser fiel à compleição dos ratos. Vanzolini respondeu: - Chico, você já mentiu tanto às mulheres nas suas canções... mente pro rato!” E Chico desferiu esta: “- Rato eu respeito...”
Bom, isso aqui está ficando comprido... resta falar de “Quadrilha” que inicia com um solo de bateria admirável e tem uma interpretação muito, muito pessoal. Depois Bom Tempo, que tem acompanhamento do pandeirinho e pratos da Mônica, num clima domingueiro, entremeado de vocalize de voz e flauta, tão justos e coladinhos que não se sabe qual é o instrumento e onde começa e termina a voz. Como se a voz não fosse o instrumento que ela toca à perfeição... Ora!
Partido Alto é daquelas canções que o compositor acaba perdendo para o povo. Todos tão contidos, ninguém queria outro som que não viesse do palco, porque nada ali se podia desperdiçar. Mas, aos primeiros acordes, a voz do público entoa, possessiva, como quem se dá conta: é nossa!
Ao retorno para o bis, Mônica e Paulo Bellinati em Beatriz. Nossa! E a apoteose de encerramento foi um presente composto pelo Rodolfo Stroeter, em que Mônica apresenta o Quinteto e Rodolfo apresenta, ao final, a cantora que tem “voz de Santa”. É um repente muito gostoso, gostaria de obter a letra. alguém teria?...
Bem, foi mais ou menos assim. Melhor para descrever só ao vivo. Um detalhe que não posso deixar de registrar é que estavam na nossa frisa dois casais de namorados bem jovenzinhos, mas tão empolgados, tocados fundamente naquele lugar... como direi? imponderável e só de raro em raro freqüentado. Eu vi as pessoas se transformarem em anjos naquela noite. Juro.
* * * * * * *

Um comentário:

Anônimo disse...

Cara Valéria:
Somente agora descubro a postagem. Grata por ter publicado. Espero ver a Mônica em breve por aqui.
Abraços!!!
Regina Makarem